A ESCOLA CHING-T’U

A Escola da Terra Pura (chin. Ching-t’u-tsung) do buddhismo Mahayana, também conhecida como Escola do Lótus, foi fundada na China em 402 pelo monge Hui-yüan (334/6-416). Ele era um erudito nos textos do confucionismo e do taoísmo. Posteriormente, foi para o sul da China e se tornou discípulo do monge buddhista Tao-an (312-385). No monte Lu-shan da província de Kiangsi — lugar freqüentado por mestres buddhistas e confucionistas —, Hui-yüan convidou eruditos como Tao Yuan-ming e Li Yi-min para fundar a Sociedade do Lótus Branco. Hui-yüan não pretendia fundar uma escola, mas apenas incentivar as as pessoas a gerar o voto renascer na Terra Pura. Os textos fundamentais desta tradição são os dois Sukhavati-vyuha Sutras (um menor e outro maior) e o Amitayur-dhyana Sutra.

omitofoA versão menor do Sukhavati-vyuha Sutra é mais conhecida como o Sutra de Amitabha (jap. Amidakyô) ou o Pequeno Sutra (jap. Shôkyô). A versão maior também é conhecida como o Sutra da Vida Imensurável (jap. Muryôjûkyô) ou o Grande Sutra (jap. Daikyô), sendo considerado uma forma abreviada do Sutra do Lótus do Dharma Maravilhoso (sânsc. Saddharma Pundarika Sutra). O Amitayur-dhyana Sutra, mais conhecido como o Sutra da Contemplação da Vida Infinita (jap. Kanmuryôjûkyô) ou Sutra da Contemplação (jap. Kangyô), teria sido ensinado pelo Buddha Shakyamuni à rainha Vaidehi, esposa do rei Bimbisara de Magadha. Às vezes, o último capítulo do Buddha Avatamsaka Sutra, que trata das práticas e votos do Bodhisattva Samantabhadra, é considerado o quarto texto fundamental da Terra Pura.

De acordo com estas escrituras, um monge chamado Dharmakara fez 48 votos diante de Lokeshvara-raja, o 53° Buddha. Este monge se tornaria o dhyani-buddha Amitabha (“o buddha da vida e luz infinitas”, chin. O-mi-t’o, jap. Amida), que então assumiu o compromisso de salvar todos os seres sencientes e de levá-los a uma Terra Pura (sânsc. buddha-kshetra, chin. ching-t’u, jap. jôdo) localizada no ocidente.

O 18° voto assumido por ele seria o de não atingir o estado de liberação a não ser que ele pudesse levar todos os outros seres ao mesmo estado. Este é conhecido como o voto original (sânsc. purvanidana, jap. hongan), um meio hábil para liberar os seres do samsara. Já que o voto original transcende o pensamento, Amitabha teria criado o nome sagrado (sânsc. namadheya, jap. myôgô) para ser fácil de manter e recitar; é o próprio chamado de Amitabha.

Seu paraíso, a Terra da Bem-Aventurança (sânsc. Sukhavati), seria um lugar completamente livre do sofrimento, onde todos teriam as condições ideais para praticar o Dharma e alcançar a iluminação. O nascimento ou ir-nascer (jap. ôjô) na Terra Pura seria espontâneo, dentro de um lótus, isto é, sem a necessidade de gestação. Ao contrário do reino dos deuses (sânsc. deva-loka), a Terra Pura estaria fora da existência cíclica (sânsc. samsara) e, portanto, nela não haveria qualquer tipo de sofrimento ou delusão. Os seres poderiam permanecer lá até atingir o despertar, sem o perigo de regredir a um estado inferior. Este paraíso seria adornado por flores, jóias e ouro, maravilhosamente permeado por perfumes e música celestial. A natureza da Terra Pura é ilusória, assim como a natureza de todos os fenômenos. Diz-se que muitos praticantes zelosos tiveram muitos sinais auspiciosos no momento da morte, incluindo o aparecimento de fragrâncias e música celestial, nuvens, flores e visões.

O Buddha Amitabha também é chamado de Amitayus, neste caso enfatizando o aspecto da longevidade. Ao contrário de Shakyamuni, o Buddha Amitabha não é considerado um personagem histórico — pelo menos não desta era. O mítico Buddha Amitabha representa o Dharma como luz (sabedoria) e vida (compaixão) infinitas, oferecendo uma salvação incondicional. Há cerca de 290 textos indianos sobre o Buddha Amitabha e, de acordo com estas escrituras, Amitabha teria aparecido em uma era passada, tendo se tornado o 54° Buddha após Dipankara, o primeiro Buddha de todos os tempos. O Buddha de nossa era, Shakyamuni, teria sido o 78° Buddha após Dipankara e o 4° Buddha da era atual.

Muitos textos do buddhismo Mahayana, como o Pratyutpanna Samadhi Sutra, o Pei-hwa-ching, o e o Maha-ratnakuta Sutra apresentam o significado e a meta da prática da Terra Pura. Segundo o Maha-ratnakuta Sutra, o próprio Buddha Shakyamuni teria pedido a seu pai e a 60.000 pessoas do clã Shakya que fizessem a aspiração de renascer na Terra Pura. O ensinamento da Terra Pura seria destinado a todos os seres, sem exceção, independente do seu nível de prática espiritual. A Terra Pura seria a nossa própria mente; Amitabha seria a nossa própria natureza verdadeira. De acordo com estes mesmo ensinamentos, concentrar-se sobre Amitabha é concentrar-se sobre todos os Buddhas; renascer em Sukhavati é renascer em todas as Terras Puras. Aqueles que têm fé em Amitabha — sejam santos ou não, ricos ou pobres, homens ou mulheres —, que recitam seu nome de forma concentrada, que contemplam suas qualidades e o visualizam-no em sua Terra Pura, estariam garantindo o seu renascimento na Terra Pura.

Em algumas abordagens, enfatiza-se que a terra pura não é um reino externo, inerentemente existente, mas sim uma manifestação da natureza búddhica, da natureza da mente. Até mesmo o reino humano pode ser considerado como a terra pura do Buddha Shakyamuni, onde é possível alcançar o despertar em um período de tempo mais rapidamente — as adversidades permitem o cultivo das perfeições que conduzem à iluminação.

Em seu Tratado sobre o Despertar da Fé no Grande Veículo (sânsc. Mahayana Shraddotptada Shastra), o poeta e filósofo Ashvaghosha também recomenda que os praticantes recitem o nome de Amitabha pare renascer em sua Terra Pura. Em suas obras, Nagarjuna escreve um capítulo e doze seções sobre o assunto, enquanto Vasubandhu escreveu o Discurso sobre a Terra Pura (jap. Jôdoron). Neste tratado, Vasubandhu afirma que existem cinco “portões” para alcançar o renascimento na Terra Pura de Amitabha: [1] a veneração, reverenciar o Buddha; [2] o louvor através da repetição do nome de Amitabha; [3] o voto ou aspiração de renascer em sua Terra Pura; [4] a contemplação das virtudes de Amitabha e de sua Terra Pura; [5] a dedicação ou transferência do mérito adquirido por estas práticas para todos os seres sencientes.

Desenvolver a bodhichitta é precisamente procurar o estado búddhico. Procurar o estado búddhico é desenvolver a mente de resgatar os seres sencientes. A mente de resgatar os seres sencientes não é outra senão a mente que reúne todos os seres e os ajuda a atingir o renascimento na Terra Pura.

(Vasubandhu)

Recite o nome de Buddha enquanto estiver caminhando. Recite o nome de Buddha enquanto estiver sentado. Até mesmo quando estiver ocupado como uma flecha, sempre recite o nome de Buddha.

(Su Tung-p’o)

 

Uma única recitação do nome de Buddha, se feita corretamente, contêm as três mil atitudes auspiciosas e as oitenta mil condutas sutis. Todos os vários enigmas do Zen e os meios mais expeditos dos estudos dos sutras também estão incluídos.

(Ou-i)

 

É como acender fogo em cima do gelo. Conforme o fogo se intensifica, o gelo derrete. Quando o gelo derrete, o fogo é extinto. Também é assim como a recitação [do nome] de Buddha. No final, o praticante atingirá o reino do não-nascimento e verá o fogo do renascimento desaparecer espontaneamente.

(T’ao-ch’o)

 

Bem agora, você deve simplesmente recitar o nome de Buddha com pureza e iluminação. Pureza significa recitar o nome de Buddha sem quaisquer outros pensamentos. Iluminação significa refletir novamente enquanto você recita o nome de Buddha. Pureza é shamatha, “parar”. Iluminação é vipashyana, “observar”. Unifique sua atenção do Buddha através da recitação do nome de buddha, e tanto o “parar” quando o “observar” estarão presentes.

(Chu-hung)

 

Hoje as pessoas pensam no Dharma da Terra Pura como um ensinamento expediente. Pouco fazem para perceber que ele também é um Dharma maravilhoso. Por exemplo, o bodhisattva Samantabhadra, cujo corpo do dharma [sânsc. dharmakaya] abarca todo o reino do Dharma [sânsc. dharmadhatu]; ele fez dez grandes votos direcionados à Terra Pura. O patriarca Ashvaghosha contou sobre cem seções dos sutras Mahayana para escrever o Tratado sobre a Fé [no Mahayana, sânsc. Mahayana Shraddhotpada Shastra], mostrando aos seres sencientes o caminho para a Terra Pura.

(Han-shan Te-ch’ing, Meng-yu-chi)

 

O Shurangama Sutra afirma, “As várias montanhas, rios e continentes, até mesmo o espaço vazio fora do nosso corpo físico, são todos reinos e fenômenos dentro da maravilhosa e brilhante mente verdadeira”. Também afirma que “Os fenômenos que surgem são todos manifestações da mente apenas”. Portanto, onde você poderia encontrar uma terra búddhica fora da mente? Assim, o conceito de Terra Pura da Mente Apenas refere-se à Terra Pura dentro da mente nossa verdadeira. Isto não é diferente do oceano, no qual aparece um número incontável de bolhas; nenhuma delas está fora do oceano. Também é como as partículas de poeira no solo; nenhuma delas não é o solo. Do mesmo modo, não há terra búddhica que não seja mente. […] Se a mente for poluída, o reino será poluído; se a mente for pura, o reino será puro. O Vimalakirti [Nirdesha] Sutra afirma, “Para renascer na Terra Pura, primeiro você precisa purificar sua mente; quando a mente é pura, as terras búddhicas são puras também.” A porta do Dharma da Terra Pura é um método maravilhoso para atingir a pureza da mente.

(T’ien-ju Ch’an-ssu, Ching-t’u Huo-wen)

 

A principal característica do buddhismo da Terra Pura é a recitação do nome de Buddha, invocando Amitabha através do cântico do seu nome. Através da recitação do nome de Buddha, as pessoas focalizam sua atenção sobre o Buddha Amitabha. Isto promove a atenção sobre o Buddha, também conhecida como lembrança do buddha [sânsc. buddha-nusmriti]. Em que sentido o buddha é “lembrando”? Buddha é o nome para aquela realidade subjacente em todas as formas do ser, assim como um epíteto para aqueles que testemunham e expressam essa realidade. De acordo com o ensinamento buddhista, todas as pessoas possuem uma natureza verdadeira inerentemente iluminada, que é a sua identidade real. Portanto, tornando-se atento ao Buddha, as pessoas estão apenas obtendo novamente sua própria identidade. Elas estão se lembrando de sua própria natureza búddhica.

(J. C. Cleary, Pure Land, Pure Mind)

 

O buddhismo da Terra Pura, que historicamente tem sido a forma mais popular de buddhismo no leste asiático, centraliza sua prática em torno do Buddha Amitabha. Falando de modo geral, o buddhismo da Terra Pura coloca mais ênfase no poder do Buddha Amitabha — para ajudar o praticante — do que outras práticas buddhistas fazem. O buddhismo Zen e o T’ien-t’ai, por exemplo, geralmente colocam mais ênfase na autoconfiança e no insight do próprio praticante. Renascer na Terra Pura do Buddha Amitabha é uma meta maior dos praticantes da Terra Pura. Para alguns praticantes, a Terra Pura de Amitabha é concebida como sendo um lugar físico real, enquanto para outros é um estado mental realizado mais perfeitamente. A característica mais importante da Terra Pura de Amitabha é que ela é um reino búddhico onde é relativamente fácil fazer progresso rápido para a iluminação. Todos os seres sencientes lá são muito dignos e as condições são perfeitas para aprender o Dharma.

(Hsing Yün, Only a Great Rain)

[As escolas Terra Pura e Zen] complementam-se muito bem, dado que a primeira ensina a humildade de depender do Buddha e a segunda ensina a sabedoria de depender de si próprio.

(Hsing Yün, Budismo)

O Zen sempre foi uma tradição relativamente aristocrática, atraindo primeiro a nobreza e, depois, os líderes da classe guerreira (samurais). Ele enfatiza o empenho para se atingir a iluminação, quer pela meditação, quer pela profunda introspecção. […] O buddhismo Terra Pura, em contraste, ensina uma prática simples, acessível a qualquer um: a recitação do nome do Buddha. Se, por um lado, o Zen enfatiza o esforço espiritual, o buddhismo Terra Pura enfatiza a fé. O Zen ensina que cada pessoa é um Buddha e deve alcançar sua iluminação. O buddhismo Terra Pura ensina que o Buddha Amitabha, que já atingiu a iluminação, existe para salvar qualquer um que invoque o seu nome com fé sincera. Como resultado, o buddhismo terra Pura atrai seguidores entre os homens comuns.

(Hiroyuki Itsuki, Tariki)

A escola da Terra Pura ensina a recitação de Buddha — a repetição do nome do Buddha Amitabha. Porém, ela não ensina simplesmente recitar com a boca, como um papagaio gritando palavras de modo desatento. A recitação de Buddha centrada na mente é a verdadeira recitação de Buddha. Conforme afirmam os sutras, “a mente, os buddhas e os seres sencientes são indiferenciados e iguais”. Fora da mente não há buddha, fora do buddha não há mente. Buddha é mente, mente é Buddha. Se um praticante recitar o nome de Buddha desta maneira, ele gradualmente chegará ao estágio onde não há nem mente como sujeito nem Buddha como objeto. E não há nem um sujeito nem um objeto de recitação. Este é o estágio antes do surgimento de um único pensamento. Isto é o hua-t’ou [da escola Zen, jap. watô] e isto é a nossa própria face original.

(Da introdução de Lok To em Pure Land of the Patriarchs)

O buddhismo, como uma das principais religiões e como um modo de vida, é assunto de numerosos livros e comentários. Porém, o cerne de seus ensinamentos pode ser expresso em dois conceitos principais: pureza da mente e prática. Os ensinamentos tradicionais da Terra Pura enfatizam três elementos — fé [no compromisso de Amitabha], votos [aspiração de renascer na Terra Pura] e prática (recitação de Buddha) — como as condições essenciais para o renascimento na Terra Pura, na Mente Pura. Esta abordagem é apresentada como o caminho mais fácil e mais expediente para a maioria das pessoas nestes dias e nesta era.

Estes ensinamentos estão em harmonia com outras tradições da Terra Pura, como a Jôdo Shinshû, na qual oshinjin, fé, é definitivamente definido como a mente — a verdadeira mente, abarcando os votos e a prática (jap. sanshin isshin). A Terra Pura também está alinhada com o Zen, que vê todos os ensinamentos como expedientes, “dedos apontando para a lua” — a lua sendo a mente verdadeira, a mente da talidade, sempre brilhante, pura e imutável. Do mesmo modo, o Dhammapada, um texto chave da escola Theravada, sumariza os ensinamentos do Buddha com as palavras “Não faça o que é mau, faça o que é bom, mantenha sua mente pura.” Porém, a pureza da mente não pode ser atingida pelo estudo e verbalização apenas; só pode ser atingida através da prática. […]

Enquanto um praticante está ocupado visualizando o Buddha [Amitabha] ou recitando o nome do Buddha, ele não pode cometer transgressões ou violar os preceitos buddhistas; portanto, ele efetivamente realiza a perfeição [ou treinamento superior] da disciplina [sânsc. shila]. Do mesmo modo, recitando o nome do Buddha com uma mente completamente focada é nada menos que a realização da perfeição da concentração [sânsc. samadhi]. Uma vez que a concentração seja atingida, a mente do praticante torna-se vazia e calma, conduzindo ao surgimento de sua sabedoria inata — a sabedoria [sânsc. prajna] dos buddhas.

(Thich Thiền Tâm, Pure Land Buddhism)

 

Em alguns dos sutras, lugares como o reino puro do Buddha Amitabha são enfatizados. Porém, estes são efetivamente ensinamentos simbólicos. Se formos capazes de seguir o Dharma corretamente, bem aqui, onde você está sentado, pode ser transformado na terra pura de Amitabha. O conceito de céu em outras religiões é totalmente diferente do conceito buddhista da terra pura de Amitabha. Em outras religiões, o céu é considerado uma entidade solidamente verdadeira e externamente existente. No buddhismo, as terras puras são um conceito de percepção individual.

(Dzongsar Khyentse Rinpoche, Motivação, Fixação e Meditação)

O trabalho iniciado pelo monge Hui-yüan foi continuado por T’an-luan, Chi-che, Tao-ch’o, Shan-tao, Chin-liang e Yung-ming. Os monges Chang-lu, T’ien-i, Yuen-hao, Ta-t’ung, Chung-feng, T’ien-ru, Chu-shih e K’ung-ku integraram a prática da Terra Pura com a da escola Ch’an (jap. Zen), à qual pertenciam. Na dinastia Ming, o monge Lien-chih foi introduzido à prática da Terra Pura por Hsiao Yen-chih e também incorporou-a na prática Ch’an, o que foi seguido por Ou-i, Chih-liu, Hsing-an e Meng-tung.

No Buddha Avatamsaka Sutra, há uma seção sobre os dez grandes votos do bodhisattva Samantabhadra para orientar os seres sencientes para a Terra Pura. Por isso, Samantabhadra é considerado o primeiro patriarca da escola da Terra Pura. Durante a dinastia Sung, o monge Hsiao-fa da montanha Shih-ming destacou sete mestres como patriarcas desta escola: Hui-yuan, Shan-tao, Cheng-yuan, Fa-chao, Shao-k’ang, Yeh-shou e Hsing-chang. Em seguida, o monge Chiih-pan registrou informações sobre os ensinamentos da Terra Pura. Outros monges seriam também considerados patriarcas: Lien-chih, Ou-i, Hsing-an e Chi-wu.

O taoísta chinês T’an-luan (jap. Donran, 476-542) foi convertido ao buddhismo em 530 pelo monge indiano Bodhiruchi. T’an-luan, autor do comentário Wang-sheng-lun Chu, desenvolveu a escola da Terra Pura como uma tradição distinta. Segundo ele, o próprio poder (jap. jiriki) não é suficiente para alcançar a iluminação, sendo necessário o outro poder (jap. tariki) — isto é, o poder do Buddha Amitabha, cuja graça é semelhante à luz que emana do sol. Amitabha proporcionaria incondicionalmente o despertar sobre os seres presos na ignorância. Isto constitui o “caminho fácil” da Terra Pura, em oposição ao “caminho difícil” das outras escolas.

Com relação ao “outro poder”, para qualquer um que acreditar no poder do voto compassivo do Buddha Amitabha de resgatar os seres sencientes e então desenvolver a bodhichitta, cultivar o samadhi [da recitação ou] lembrança do Buddha, cansar-se do seu corpo temporal e impuro nos três reinos, praticar a caridade, manter os preceitos e realizar outros atos meritórios, dedicando todos os méritos e virtudes ao renascimento na Terra [Pura] Ocidental — suas aspirações e a resposta do Buddha estarão de acordo. Contando assim sobre o poder do Buddha [Amitabha], ele imediatamente atingirá o renascimento. […]

Aqueles que renascem na Terra Pura, apesar de poderem ser seres ordinários totalmente pegos pela armadilha do karma negativo, não podem desenvolver aflições ou visões perversas nem falhar em atingir o não-retrogresso [isto é, não poderão cair novamente no sofrimento do samsara]. Isto é devido a cinco fatores: [1] o poder do grande e compassivo voto do Buddha que os abraça e protege; [2] a luz do Buddha sempre bilha sobre eles e, portanto, a bodhichitta destes seres superiores sempre progredirá; [3] na Terra Pura ocidental, os pássaros, a água, as florestas, as árvores, o vento e a música todos pregam o Dharma do “sofrimento, vacuidade, impermanência e não-eu” e, ao ouvirem isto, os praticantes começam a se focalizar sobre o Buddha, o Dharma e a Sangha; [4] aqueles que renascem na Terra Pura têm os bodhisattvas dos níveis mais elevados como seus companheiros e estão livres de todos os obstáculos, calamidades e más condições, além de não haver demônios malignos, de modo que suas mentes estão sempre calmas e pacíficas; [5] uma vez nascidos na Terra Pura, seu tempo de vida é inexaurível, igual ao dos buddhas e bodhisattvas, assim podem praticar pacificamente durante incontáveis éons.

(Chih-i, Ching-t’u Shih-lun)

Desde os seus primórdios, na Índia, o buddhismo ensinou um longo e árduo caminho de prática para se alcançar a iluminação. Esse esforço pessoal feito pra atingir a iluminação é uma manifestação do “próprio poder”. Tariki, por outro lado, é o reconhecimento do grande a abrangente “outro poder” — neste caso, o Buddha e a sua capacidade de nos iluminar — e o simultâneo reconhecimento da profunda impotência do indivíduo diante das realidades da condição humana. […]

A idéia de que posso me salvar encarnado sozinho, individual e diretamente a verdade absoluta do universo sob a forma do Buddha Amitabha, pode lembrar superficialmente o contrato judaico-cristão com Deus, mas é muito diferente em diversos sentidos. Um contrato é um acordo mútuo entre duas partes interessadas, mas o outro poder afirma que o Buddha atrai o indivíduo para sim o toma pela mão. Esse é o significado de “encontrar refúgio” no Buddha. A grande questão nesse caso é se o indivíduo consegue ou não entregar-se completamente ao Buddha. É necessário aqui um sentimento de completa impotência, de desilusão com o eu, de desapego em relação aos outros e o sentimento de que se está, aqui e agora, no inferno. A filosofia do outro poder Absoluto é a resposta a esse estado. Em tal ponto, qualquer crença no eu desaparece sem deixar vestígios.

(Hiroyuki Itsuki, Tariki)

T’an-luan enfatizava a prática devocional da recitação de Buddha (chin. nienfo, jap.nenbutsu), isto é, a recitação do nome de Amitabha. A prece original era “Tomo refúgio em Amitabha” (sânsc. Namo Amitabha); em tradições posteriores à compilação dos sutras, também aparece a prática de recitação da prece “Tomo refúgio no Buddha Amitabha” (sânsc. Namo Amitabhaya Buddhaya). Na China, esta prece foi traduzida como Nan-mo O-mi-t’o Fo, e no Japão como Namu Amida Butsu.

Em seu Tratado sobre o Renascimento na Terra Pura, T’an-luan classificou seis técnicas básicas de meditação da Terra Pura, sendo tanto técnicas de shamatha quanto técnicas de vipashyana. Seguiremos sua classificação abaixo. As seis técnicas caem em dois grupos.

[1] A porta do voto: Esta é uma porta de shamatha. A prática da Terra Pura é baseada fundamentalmente no voto do praticante de renascer na Terra Pura do Buddha Amitabha. Quando um praticante faz um voto, é muito importante que ele faça isso com “unidade da mente” ou concentração perfeita. Há três modos básicos de entender este voto muito importante.

  • [1.1] O mero ato de fazer um voto e repetir o nome do Buddha Amitabha é suficiente para limpar a mente e para trazer a cessação das máculas mentais;
  • [1.2] Já que a Terra Pura não é parte dos três reinos [do samsara, isto é, os reinos do desejo, da forma e da não-forma], o mero ato de renascer lá é suficiente para limpar a mente e trazer a cessação de todas as máculas do corpo, da fala e da mente;
  • [1.3] O poder do próprio ser iluminado do Buddha Amitabha é tão grande que ele pode trazer a cessação para qualquer um que o chamar.

[2] A porta da contemplação: Esta é uma porta de vipashyana. Neste aspecto da prática da Terra Pura, o praticante focaliza sua atenção sobre a contemplação, do modo que ele terá sucesso em superar sua confusão mundana e seus hábitos de delusão. As três contemplações básicas são:

  • [2.1] Contemplar a perfeição e magnificência da Terra Pura;
  • [2.2] Contemplar a perfeição e magnificência do Buddha Amitabha;
  • [2.3] Contemplar a perfeição e magnificência dos bodhisattvas que renasceram na Terra Pura.

(Hsing Yün, Only a Great Rain)

O monge Tao-ch’o (jap. Dôshaku, 562-645) foi um dos principais propagadores da Terra Pura na China. Tornou-se monge aos catorze anos e se especializou no Nirvana Sutra. Aos quarenta anos, ao visitar o monastério Hsüan-chung-ssu (jap. Genchû-ji), ele leu uma inscrição em louvor a T’an-luan e decidiu aspirar à Terra Pura. Permaneceu naquele templo, chegou a recitar o nome de Amitabha 70.000 vezes por dia e ensinou mais de duzentas vezes sobre o Amitayur-dhyana Sutra.

De acordo com Tao-ch’o, a recitação do nome de Amitabha seria a única forma efetiva para merecer o renascimento na Terra Pura e, portanto, de atingir a iluminação. Segundo ele, os seres ignorantes na era do declínio da compreensão do Dharma seriam incapazes de praticar outras formas de aprofundamento e entendimento espirituais. Tao-ch’o ensinava a repetição constante do nome de Amitabha e criou um rosário para esse propósito. Ele também escreveu a Coleção de Passagens sobre a Terra da Paz e Bem-aventurança (jap. Anraku-shû), em dois volumes

amida

O monge chinês Shan-tao (jap. Zendô, 613-681) tornou-se monge ainda jovem e praticou principalmente a meditação sobre Amitabha e sua Terra Pura. Ao ouvir falar em Tao-ch’o, foi até ele para receber seus ensinamentos, passando a dedicar sua vida a divulgá-los. Ele copiou o Sutra de Amitabha mais de cem mil vezes e fez mais de trezentas pinturas da Terra Pura, além de compor cinco obras em nove volumes. Seu comentário sobre o Amitayur-dhyana Sutra contribui para a expansão desta escola na China.

Shan-tao pregava a recitação do nome de Amitabha como uma atitude mental pura e atenta, aliada ao cântico de sutras e hinos de louvor, e à veneração e meditação sobre a imagem de Amitabha. Esta meditação é feita com a visualização de dezesseis aspectos da Terra Pura, até que se perceba a não-dualidade entre própria natureza e a natureza de Amitabha.

Shan-tao também era conhecido como o Mestre de Kuang-ming-ssu (jap. Kômyô-ji no Kôshô) e o Grande Mestre de Chung-nan (jap. Shunan Daishi).

Nas escolas da Terra Pura, há uma escatologia que divide a propagação do Dharma em três períodos. Esse pensamento foi muito trabalhado por Shan-tao e no Japão principalmente pelos monges Hônen e Shinran, entre outros. De acordo com esses textos, as idades do Dharma seriam divididas em pelo menos três grandes períodos. Naera do Dharma verdadeiro (jap. Shôbô), que duraria 500 (ou 1000) anos, o ensinamento de Buddha seria praticado corretamente e a iluminação poderia ser atingida facilmente; muitas pessoas alcançariam o despertar somente pelo ouvir do Dharma. Naera do Dharma aparente (jap. Zôhô), que duraria 2.000 (ou 500) anos, o ensinamento seria praticado, mas a iluminação seria mais difícil, sendo necessário necessárias muitas práticas meditativas para alcançar esse fim. Já na era do Dharma decadente (jap. Mappô), que duraria 2.000 anos, o ensinamento seria praticado, mas a iluminação seria extremamente rara.

A partir disso, o Dharma desapareceria gradualmente, até que aparecesse no mundo o o Bodhisattva Maitreya (jap. Miroku Bosatsu) que se tornará o novo Buddha e restabelecerá o Dharma correto no futuro. De acordo com o Mahasamgata Sutra, na época do fim do Dharma, haverá muitos praticantes buddhistas mas poucos atingirão a liberação; porém, se recitarem o nome do Buddha, eles serão capazes de transcender o samsara. Uma única recitação sincero do nome de Buddha seria capaz de purificar o karma negativa acumulado durante milhões de éons.

Depois do nirvana do Buddha, o Dharma verdadeiro durará quinhentos anos e o Dharma imitativo durará mil anos. Depois destes quinze séculos, o Dharma de Shakyamuni perecerá completamente.

(Bhadrakalpa Sutra)

Na China, após a perseguição iniciada pelo imperador taoísta Wu-tsung no ano de 845, as escolas Terra Pura e Ch’an (jap. Zen) foram praticamente as únicas que conseguiram manter uma presença significativa. A Terra Pura e o Ch’an acabariam se fundindo em uma única tradição, predominante no buddhismo chinês até os dias de hoje.

Apesar de a China historicamente ter produzido oito escolas maiores de buddhismo [T’ien-t’ai, Hua-yen, Fa-hsiang, San-lun, Ch’an, Ching-t’u, Lü-tsung, Mi-tsung], e apesar de uma vez estas escolas terem sido bem distintas umas das outras, é importante entender que não há diferença fundamental entre elas. São diferentes apenas em suas ênfases ou em certas de suas interpretações filosóficas. Por esta razão, os buddhistas chineses modernos geralmente praticam uma mistura de técnicas de duas ou mais das oito escolas. Uma das formas mais efetivas de prática buddhista é misturar a prática Ch’an com a prática da Terra Pura.

(Hsing Yün, Only a Great Rain)

 

Quando as pessoas dizem Namu Amida Butsu, Namu Amida Butsu, elas querem ser os filhos do Buddha Amida. Eis o porquê da prática de repetir o nome do Buddha Amitabha. O mesmo ocorre com a nossa prática de meditação sentada. Se soubermos como praticar a meditação e se aquelas pessoas souberem como repetir o nome do Buddha Amitabha, não poderia ser diferente.

(Shunryu Suzuki, Not Always So)

No Japão, o primeiro a disseminar a escola da Terra Pura foi o monge Eon, que viajou à China em 608 e lá permaneceu durante 38 anos. Em 640, Eon explicou para a corte japonesa as escrituras sobre o Buddha Amitabha.

Chiko (709-780), monge da escola Sanron, escreveu o primeiro livro japonês sobre a bodhisattvas3Terra Pura, o Muryôjûkyôron Shaku, um comentário sobre o Wang-sheng-lun Chu com influências do buddhismo coreano. Além da escola Sanron, a escola Hossô também contribuiu para a emergência do buddhismo da Terra Pura no Japão. Em 847, o monge japonês Ennin (ou Jikaku Daishi, 793/4-864) introduziu a prática da recitação do nome de Amitabha no Japão. Ennin foi discípulo de Saichô (767-822) e estudou os ensinamentos das escolas T’ien-t’ai, Mi-tsung e Ching-t’u quando este na China.

A recitação do nome de Amitabha tornou-se popular nas escolas japonesas Tendai e Shingon. Em 848, os monges da escola Tendai estabeleceram um local dedicado ao Buddha Amitabha no monte Hiei. Entre as camadas populares, a recitação do nome de Amitabha foi propagada por Kûya (“o sábio das ruas”, 903-972), que costumava fazer isto dançando pelas ruas.

Genshin (942-1017), discípulo de Ryôgen (912-985) e monge da escola Tendai, considerava a visualização de Amitabha e da Terra Pura superior à simples recitação do nome de Amitabha.

Ele escreveu um tratado sobre a Essência para Ir Nascer na Terra Pura (jap. Ôjô Yôshû), mostrando as vantagens da prática baseada sobre a compaixão de Amitabha. O monge Ryônin (1072-1132) criou a primeira escola amidista no Japão, chamada Yûsû-nenbutsu.

Os antigos disseram, “O Buddha Shakyamuni manifesta-se no mundo impuro e subjuga os seres sencientes através das condições de impureza, sofrimento, impermanência e obstáculos, criando neles um senso de aborrecimento de modo que sigam o caminho correto. O Buddha Amitabha, por outro lado, manifesta-se na Terra Pura, reúne os seres sencientes através de condições como pureza, felicidade, permanência e não-retrocesso, criando neles o desejo de retornar à fonte da verdade. Deste modo, os dois buddhas usam o método dual da subjugação e reunião para propagar o Dharma correto. Suas atividades de ensinamento e transformação estão assim relacionadas. Além disso, enquanto ensinava os três veículos, o Buddha Shakyamuni propagou especialmente o método da Terra Pura de modo que, através da ajuda do Buddha Amitabha, os seres sencientes que ainda foram deixados possam ser resgatados. Portanto, nos sutras do Mahayana, o Buddha Shakyamuni recomendou compassivamente e exortou constantemente o renascimento na Terra Pura.” […]

Os sutras dizem que aqueles que invocam o nome de Buddha com a maior sinceridade terão dez grandes benefícios nesta mesma vida: [1] dia e noite desfrutarão da proteção invisível de todos os seres celestiais, divindades poderosas e multidões de servos; [2] vinte e cinco grandes bodhisattvas, incluindo o bodhisattva Avalokiteshvara e outros bodhisattvas, constantemente os mantêm em mente e os protegem; [3] desfrutam da ajuda e proteção contínuas dos buddhas, e o Buddha Amitabha emite luz constante para reuni-los; [4] nenhum demônio maligno, dragão feroz, cobra venenosa ou semelhante poderá feri-los; [5] não encontram com calamidades como afogamento, incêndio ou outra morte violenta, nem encontram punições como ser acorrentado ou aprisionado; [6] o karma negativo anterior é dissipado gradualmente, aqueles que eles mataram em vidas passadas são liberados e não mais procuram vingança; [7] têm sono tranqüilo, sonham com eventos auspiciosos ou vêem o corpo supremamente maravilhoso do Buddha Amitabha; [8] suas mentes estão sempre alegres e em paz, seus rostos claros e brilhantes, seus corpos preenchidos com energia e força, o que quer que façam geralmente encontra o sucesso; [9] são sempre honrados e ajudados pelos outros, e lhes são concedidos alegremente o respeito reservado aos Buddhas; [10] na hora da morte, não experienciam medo porque os bons pensamentos manifestam-se por si mesmos; testemunham o Buddha Amitabha e a assembléia sagrada segurando o lótus dourado para dar boas vindas e os escoltar à Terra Pura, onde desfrutarão de paz mental e felicidade para sempre.

(T’ien-ju Ch’an-ssu, Ching-t’u Huo-wen)

Possuidora de uma base tântrica, a prática da Terra Pura tem uma dupla interpretação. De um lado, expressa uma das mais profundas concepções metafísicas do buddhismo. Aquilo que é a simples recitação de um nome, uma prática muitas vezes relacionada com a oração em outros caminhos espirituais, se entendida em seu aspecto mais profundo, transforma-se em um valioso instrumento de desenvolvimento interior. Onienfo (jap. nenbutsu), interpretado como invocação, é ainda hoje praticado diariamente nos monastérios Zen da China, Coréia e Vietnã, juntamente com a prática mais formal da meditação sentada. Curiosamente, o Japão é o único lugar onde a prática Zen e a prática da Terra Pura se separaram de forma mais extrema, apesar de uma terceira escola, bem menor em número que a Sôtô e a Rinzai, e mais recente que estas, ter procedido novamente sua reunião, a escola Ôbaku. Vários mestres recomendaram a prática do nienfo, entre eles, Ashvaghosha, Nagarjuna e Vasubandhu, respectivamente o décimo segundo, décimo quarto e vigésimo patriarcas da linhagem Ch’an (Zen).

(Ricardo Sasaki, O Caminho Contemplativo)

Ser conduzido ao nascimento na Terra Pura significa o rompimento da pequena casca chamada “eu” que nos distingue dos outros para sentir-se interligado a todos, em união (jap. ichinyo), tornando-se alguém que “beneficia os seres vivos salvando-os tal como desejamos”. Por essa razão, só seremos salvos da tristeza e do vazio gerados pelo amor finito, humano, confiando no grande caminho do voto original do nenbutsu. Essa é “a compaixão da Terra Pura”. […] O voto original do Buddha Amitabha nos dá o Namu Amida Butsu como a prática para o nascimento na Terra Pura, propiciando o bem a quem não o possui e tornando-se a prática de quem não a exerce, pra que todos os seres tornem-se um buddha, sem discriminação. Recitar o nenbutsu confiando nesse voto não significa recitá-lo para evitar o mal e praticar o bem, mas é simplesmente emocionar-se e agradecer a intenção do Tathagata que nos salva, doando-nos o nome sagrado, pleno de todas as virtudes.

(Da introdução de Jitsuen Kakehashi em Tannishô)

A Terra Pura é um lugar ideal para praticarmos até alcançar a iluminação completa. Muitas pessoas na Ásia praticam a lembrança do Buddha (sânsc.buddha-nusmriti), refletindo sobre as qualidades do Buddha — amitabha5visualizando-o ou invocando o seu nome — para renascer em sua Terra Pura. Durante o período da prática, vivem numa espécie de refúgio nesse Buddha. Estão perto dele e também regam a si mesmas a semente da condição de Buddha. Mas as Terras Puras são impermanentes. No cristianismo, o Reino de Deus é o lugar para onde iremos na eternidade. Mas no buddhismo, a Terra Pura é uma espécie de universidade onde praticamos por algum tempo com um professor, nos formamos e depois voltamos cá, para dar prosseguimento à nossa vida. Finalmente, descobrimos que a Terra Pura está no nosso coração, que não precisamos ir para longe para encontrá-la.

(Thich Nhat Hanh, Living Buddha, Living Christ)

Invocamos o nome de Buddha e a recordação de Buddha para fazê-lo presente nas nossas mentes, para torná-lo parte dos momentos da vida cotidiana. Buddha precisa que o amemos, que nos lembremos dele, que o glorifiquemos? Não creio. Não penso que Buddha necessite de amor. Podemos sentir amor por Buddha, do mesmo modo que sentimos amor por nossos pais e mestres. Buddha é nosso mestre. É claro que sentimos admiração pelo mestre, o Buddha. Ele praticou bem, ele tem coragem. Tem muita compaixão, compreensão e é uma pessoa livre. Não sofre tanto quanto nós por causa do seu elevado nível de compreensão, compaixão e bondade amorosa. Vocês amam alguém quando este alguém necessita de vocês. Quando aquele alguém sofre, o amor de vocês alivia o sofrimento. Seu amor contribui para trazer felicidade. Este é o significado do amor. É fácil entender que os seres que nos cercam, sofrendo, necessitam do nosso amor. Mas será que a salvação, a liberação de vocês depende do seu amor por Buddha? Não penso assim. […]

Onde é a Terra Pura? Como se pode renascer ali? Para mim, a Terra Pura é aqui, bem aqui e neste exato momento. Cada um de nós é o Buddha Amitabha porque temos a energia do amor, a mente do amor em nós, aquele ardente desejo de fazer a felicidade de muitas pessoas. Cada um de nós tem que se comportar como o Buddha Amitabha para criar uma Terra Pura, para proporcionar aos amigos a oportunidade de viver em um ambiente tão seguro e cheio de amor, onde todos podem praticar como estudantes em tempo integral.

(Thich Nhat Hanh, Jesus e Buda, Irmãos)

No Japão, a expressão outro poder [jap. tariki] é ouvida mais freqüentemente na frase o voto original do outro poder (jap. tariki hongan). […] Tariki hongan é um importante conceito filosófico enraizado em uma visão de mundo extremamente vigorosa, e tem sido uma fonte de energia constante para os que enfrentam uma crise.

Tariki, como vimos, significa outro poder. Hongan, ou voto original, é o próprio cerne do ensinamento do buddhismo Terra Pura. No início de sua prática para se tornar um Buddha, o bodhisattva Dharmakara fez quarenta e oito votos, que prometeu realizar quando atingisse a iluminação. Muitos votos dizem respeito à Terra Pura — uma descrição simbólica do estado de iluminação — que ele criaria quando se tornasse um Buddha. De todos estes votos, o voto “original” ou essencial de Dharmakara foi a sua promessa de que, uma vez que tenha atingido a iluminação e se tornado o Buddha Amitabha, qualquer ser que invocar o seu nome nascerá em sua Terra Pura e atingirá a iluminação. Esse é o voto que se tornou o ensinamento crucial do buddhismo Terra Pura.

Embora contar com “o voto original do outro poder” possa parecer implicar a dependência de um outro poder (Amitabha) para a sua salvação, trata-se, na realidade, de uma idéia muito mais radical. Uma vez que Dharmakara já atingiu a iluminação e se tornou Amitabha, segue-se que nós todos já estamos iluminados. O verdadeiro ensinamento da Terra Pura, então, não é obter o nascimento na Terra Pura recitando o nome do Buddha (isto seria próprio poder, afinal de contas), mas se dar conta, do fundo do próprio ser, de que já se é iluminado. A intensa gratidão que se sente após passar por esta revelação espiritual expressa-se na exclamação Namu Amida Butsu.

O que faz do buddhismo Terra Pura uma filosofia tão radical é o fato de que algo que a princípio parece ser um meio de alcançar a iluminação (recitar o nome de Amitabha) é, simultaneamente, a própria iluminação.Tariki hongan é uma filosofia que transcende o tempo; ela salta todas as fronteiras, e, ao recitar o nome do Buddha, o passado e o futuro são um só, praticar e alcançar são um só, sofrimento e iluminação são um só. Não é uma filosofia de passividade e irresponsabilidade, como a expressão passou a ser interpretada no Japão ao longo dos séculos. É uma filosofia de atividade espiritual radical, de revolução pessoal e existencial.

(Hiroyuki Itsuki, Tariki)