NOTAS SOBRE O SHOSHINGE – 19

Rev. Prof. Dr. Ricardo Mário Gonçalves

 

Compôs os “Comentários ao Tratado” do Bodhisattva Vasubandhu, em que diz:

A causa e o efeito do Nascimento na Terra da Recompensa se fundamenta nos Votos;

As Graças da Ida e do Retorno dependem do Outro Poder;

A causa que com certeza assegura a Correta Firmeza é apenas a Fé;

Quando a Fé é suscitada em um profano maculado pelas paixões,

Este compreende que os nascimentos e mortes são o próprio Nirvana;

Depois de alcançar, infalivelmente, a Terra da Resplandecente Luz Imensurável,

Transmutará ele universalmente todos os seres existentes.

 

 

1. Considerações Gerais: Aqui é resumida a Doutrina do Outro Poder do Voto Original, tal como foi exposta pelo Patriarca T’an-luan em seus Comentários ao Tratado da Terra Pura (Jap. Jôdo Ronchû).

 

2. O Significado do Nome SHINRAN: Agora é o momento adequado para uma digressão explicativa do nome de nosso Patriarca Fundador, composto por dois ideogramas: SHIN e RAN. SHIN é o segundo ideograma do nome TENJIN ou SESHIN, denominação sino-japonesa do Patriarca Vasubandhu. RAN é o segundo ideograma do nome T’AN-LUAN. Adotando o nome de SHINRAN, nosso Patriarca proclama sua dívida e sua gratidão para com esses dois Patriarcas cujas doutrinas ele herdou e aprofundou.

 

3. Os Comentários ao Tratado da Terra Pura (Jap. Jôdo Ronchû): Também conhecidos como Comentários ao Tratado sobre o Ir-Nascer (Jap. Ôjô Ronchû), constituem eles o contributo fundamental de T’an-luan ao desenvolvimento da Doutrina da Terra Pura. O Tratado da Terra Pura do Mestre Vasubandhu é um texto dificílimo, cuja compreensão é grandemente facilitada por esses Comentários de T’an-luan em dois volumes. Centrados no conceito de Outro Poder (Jap. Tariki), os Comentários nos apresentam uma síntese das Escolas Madhyamika e Yogacara, estruturada segundo a ótica da Tradição da Terra Pura. Há que lembrar aqui que T’an-luan era originalmente um Mestre da Escola Madhyamika de Nagarjuna. Convertendo-se à Doutrina da Terra Pura, ele assume a tarefa de comentar um texto de Vasubandhu, ou seja, de um Mestre da Escola Yogacara. Todavia, ele o faz fundamentando-se em Nagarjuna e sua Filosofia do Vazio, utilizando termos como mushô no shô (o nascimento além dos nascimentos) para designar o Ir-Nascer na Terra Pura. Assim, para nós T’an-luan é um expoente daquela corrente que foi por nós designada como Yogacara-Madhyamika, que sintetiza e unifica as duas grandes correntes filosóficas do Grande Veículo. Shinran, que assume a herança de Vasubandhu e T’an-luan, inclusive adotando um nome composto de ideogramas retirados do nome de ambos, pode, portanto, ser considerado também como um expoente da corrente Yogacara-Madhyamika. É interessante lembrar que T’an-luan inicia seus Comentários citando as explanações de Nagarjuna a respeito do Caminho Difícil e do Caminho Fácil que já abordamos anteriormente. É a partir do conceito nagarjuniano de Caminho Fácil que ele desenvolve sua idéia-chave de Outro Poder em que ele alicerça toda a soteriologia da Doutrina da Terra Pura.

 

4. Questões de Vocabulário:

4.1. Graças da Ida e do Retorno = traduzimos, neste caso, o termo Ekô (Sanscr.Parinama), geralmente traduzido por transferência de méritos, por graça, na medida em que os movimentos de Ida (Jap. Ôsô) ou ir-nascer na Terra Pura e de Retorno (Jap.Gensô) ou volta do “nascido na Terra Pura” ao mundo dos nascimentos e mortes para beneficiar os seres viventes, ocorrem, segundo o entendimento de nossos Mestres, graças à maravilhosa operação do Outro Poder do Voto Original do Buda Amida.

4.2. Fé = traduzimos por (com F maiúsculo) o termo capital do Budismo Shin SHINJIN que designa a fé que não é uma iniciativa do homem, sendo proporcionada ao mesmo através da maravilhosa operação do Outro Poder do Voto Original do Buda Amida. Quando, porém, entendemos a fé no sentido comum de uma iniciativa do próprio homem, escrevemos a palavra com f minúsculo. SHINJIN também tem sido traduzido como Mente Confiante e quiçá também poderia sê-lo por Coração Confiante. Alguns tradutores têm optado por manter o termo SHINJIN em japonês romanizado, sem traduzi-lo, alegando que se trata de um conceito intraduzível em línguas ocidentais. Não concordamos de maneira nenhuma com essa postura, que implica em negar abertamente a universalidade do Budismo Shin, fazendo do mesmo uma doutrina tão peculiar e fechada que só seria compreensível aos japoneses. Para que, então, missões do Budismo Shin fora do Japão?

Terra da Resplandecente Luz Imensurável = a Terra Pura do Buda Amida.