O Pensamento de Shinran a partir de sua noção de conversão

PESQUISAS SOBRE O PENSAMENTO DE SHINRAN SHONIN ATRAVÉS DE SUA ABORDAGEM DA NOÇÃO DE CONVERSÃO

– Dennis Gira

 
Shinran Shonin (1173-1262), que foi um das maiores figuras de inovadores no Japão durante os anos, muito férteis no plano religioso, do período Kamakura, foi monge no Monte Hiei de 1181-1201. Incapaz de aí realizar suas aspirações mais profundas , e continuamente sufocado por um sentimento de fracasso, ele deixou seu monastério para seguir o grande mestre da tradição da Terra Pura, Hönen (1133-1212). Sob sua orientação, Shinran descobriu caminho seguro da Salvação e se converteu.
Marcado profundamente por sua própria experiência de conversão, Shinran jamais deixou de aprofundar sua compreensão da dinâmica da economia de salvação estabelecida por Amida. Dois princípios para ele eram indiscutíveis e o motivavam nesta busca. O primeiro era que o homem, mergulhado na ignorância, é capaz de responder positivamente ao ensinamento do Buda e de seguir o caminho difícil que conduz à Iluminação. Este princípio reflete perfeitamente a condição dos homens de sua geração nascidos na época do declínio da Lei (mappô jidai), período durante o qual apenas a doutrina de Buda devia estar viva ainda, mas onde não haveria mais nem verdade prática, nem Iluminação. Este princípio que Shinran, durante sua vida monástica, viveu, por assim dizer, em sua própria carne, iria exercer influência sobre ele em todas suas interpretações dos textos búdicos. O segundo princípio, essencial para Shinran, era que Amida, ao acessar a budeidade, havia assegurado, em função disso, o cumprimento de todos seus Votos, e especialmente os que se referem à salvação de todos os seres vivos.
A originalidade de Shinran reside no caráter aprofundado de sua inquirição sobre as implicações destes dois princípios na vida do discípulo. Ele impulsionou ao ponto extremo uma tendência, característica da tradição da Terra Pura, aquela que minimiza cada vez mais o papel do praticante no cumprimento de sua própria salvação. Foi Hönen que havia colocado acento sobre a prática exclusiva do Nembutsu invocatório – a saber, a recitação com confiança da fórmula Namu Amida Butsu (Reverência ao Buda Amida). Encontrava-se aí o mínimo absoluto que podia cumprir o homem do mappô jidai, e que lhe permitia preencher as condições de salvação descritas no sutra de base da tradição da Terra Pura.
Contudo, uma questão sobre a qual Hönen jamais deu resposta, era saber como o homem, em sua condição corrompida, poderia desenvolver uma confiança tão exigente, e na sequência adornar-se de uma prática tão rudimentar em si, que pudesse ser meritória. Pois, se o homem pudesse por sua própria força acreditar e preencher uma função no processo de sua salvação, ele não seria tão corrompido quanto supunha a ideia da situação desesperada do homem do mappô jidai.
Shinran, confrontado com este problema, tentou mostrar que o homem, de fato, não podia fazer nada, nem desenvolver a disposição interior da confiança, nem contribuir de alguma maneira com o que quer que seja para a realização de sua salvação. Esta era a única posição válida que se enquadrava na lógica do primeiro princípio mencionado acima, naquela de sua própria experiência. Mas se era impossível ao homem desenvolver a confiança exigida pelos Votos de Amida, como podia ele se converter e ser salvo? Tal interpretação não negava o segundo princípio que diz que Amida salvará todos os homens? Shinran resolveu este problema ao mostrar que Amida deu ao homem, não somente o mérito que lhe pertencia em razão de todas as prática realizadas quando Ele era o bodhisattva Hôzô, mas também a própria confiança que poderia tornar o homem capaz de se voltar sobre Ele.
Sob esta luz, a conversão do homem não podia mais ser cumprida como um primeiro passo, dado com sua própria força, no caminho que eventualmente o conduziria à Iluminação, ainda que ele fosse fiel a tal ou tal prática. Era antes a sua manifestação da confiança pura proporcionada por Amida quando ele entrasse em contado com seu Nome, o qual é, em função do poder o Voto disseminado através do universo, encarnação do poder de Amida, que busca acolher todos os seres vivos e conduzi-los à Iluminação. O Nembutsu não era, portanto, uma prática realizada pelo homem a fim de preencher certas condições necessárias para sua salvação; era antes um reconhecimento, absolutamente natural, de tudo o que Amida havia realizado, e continuava a realizar.
Em razão de que o caráter único do ensinamento de Shinran é manifestado da maneira mais clara, em sua reflexão, no próprio momento da conversão, que nós tentamos nesta tese analisar seu pensamento “através de sua abordagem da noção de conversão”. O leitor encontrará na primeira parte da tese um estudo sobre o desenvolvimento na tradição búdica, sobretudo na Terra Pura, o pensamento relativo ao que constitui a conversão. Na segunda parte, ele encontrará uma análise, fundamentada sobre a classificação doutrinal de Shinran (nisô shijû), que trata em detalhe os textos que sustentam sua posição, a maneira como ele interpreta estes textos, e os elementos de base que são característicos de seu ensinamento sobre a conversão.

Gira Dennis. Recherches sur la pensée de Shinran Shonin à travers son approche de la notion de conversion. In: École pratique des hautes études, Section des sciences religieuses. Annuaire. Tome 91, 1982-1983. 1982. pp. 517-519.
doi : 10.3406/ephe.1982.18386
http://www.persee.fr/doc/ephe_0000-0002_1982_num_95_91_18386 (consulta 24/09/2015)

(Tradução: Glauco Escórcio de Carvalho)