A DOUTRINA BUDISTA DE SUNYATA

 

 

 

“Os céus que vemos ao amanhecer de primavera

Os céus que vemos com a lua de outono,

Serão eles reais?

Serão eles sonhos?

Namo Amida Butsu”

Sonojo

 

Tudo é ilusão. Ninguém há que escreva estas palavras ilusórias, ninguém há que as leia. Nada há, de tudo o que se julga ser. Toda forma é ilusória. Toda substância é ilusória. O que julgamos ser forma, em realidade é pura mutação. O que julgamos ser substância é pura impermanência. A mutação não incide sobre algo. Não há substrato que perpasse a impermanência. Há só mutação, há só impermanência. O ser é uma “ilusão ótica” do conhecimento, como o movimento aparente das figuras no cinema. O vento da transitoriedade varre todo o Universo num sopro solitário e único. Para lá da forma e da substância, jaz apenas um vasto Vazio, imerso em silêncio e luz.

 

 “Neve caindo.

Insondável, infinita

Solidão”.

Matsuo Basho

 

E como no Vazio surgem todas as coisas ilusórias? E como no Vazio faz-se o sonho da forma? E como no Vazio nascem as aparências das substâncias?

A ilusão é o respirar do Vazio. É da respiração do Vazio que brotam miríades de aparências esvanecentes. E na mesma respiração retornarão ao Vazio os que nunca foram. Expirando, espraiam-se as ilusões. Inspirando, extingue-se o sonho. Assim, expirando, o que não-é gera o que parece-ser e na inspiração as aparências se dissolvem. Toda manifestação se dá na respiração do Vazio.

A origem da Dor, então,  está na ignorância do caráter onírico de todo manifestado. E os sonhados nos sonhos de Maya, sem saber que são sonhados, sonham o ser e sonhando se apegam. Sonham que vivem, sonham que morrem, sonham que sofrem. Todo sofrimento mora no apego. Todo apego nasce da ignorância. Quando a ignorância é superada, ninguém mais nasce nem morre. Não há sofrimento pois se desfez a ilusão do ser.

E no sem-forma mergulham as aparências. A rede dos sonhos é recolhida de volta ao Vazio.

Imaculada permanece a Grande Noite Luminosa, intocado permanece o Vazio. Os viajantes oníricos não deixam rastros no seio do Nada. Os sonhos vêm, os sonhos vão, passam as ilusões e o não-ser permanece inalterado, o mesmo, sempre idêntico a si próprio.  O imanifestado fica, quando tudo se vai, sem marcas da passagem do manifestado, assim como:

 

“A sombra das árvores

Sacudidas pelo vento,

Varre o chão sem levantar poeira.

Os pássaros cruzam o espaço

E não o maculam.

Manchas de sol coadas através

Das folhas

Não marcam as flores”.

Murillo Nunes de Azevedo

 

Assim, do sem-forma nasceram os sonhos que a Ele retornarão. Os sonhos de mundos, de seres, de vidas. Os sonhos que somos, os sonhos em que somos sonhados, por um breve momento, que não é mais que este instante presente, esta hora sem tempo em que um pássaro toca a flor e voa. Em que a onda quebra na praia e volta ao oceano. Em que a cotovia canta e cala. Este instante que dura a luz do relâmpago em meio à noite. Este impossível presente, sem princípio e sem fim, irrepetível, único, já, aqui e agora.

 

 “Neste momento, nada há que venha a ser.

Neste momento, nada há que deixe de ser.

Assim, não há nascimento e morte a que se deva por fim.

A Bemaventurança do Nirvana [se reflete n]este momento presente.

E como este momento não tem limites,

O Nirvana é a eterna Bemaventurança”.

Hui Neng

 

Gustavo Pinto

1975