1. Considerações Gerais:
Agora, na seqüência, temos seis estrofes de louvor ao Patriarca Shan-tao extraídas dosKôso Wasan (Hinos de Louvor aos Patriarcas), a primeira das quais nos convida a refletir sobre a transcendência das distinções de gênero no Budismo Shin.
2. Tradução:
Sakyamuni e Amida são Pai e Mãe Compassivos.
Através de variados hábeis meios salvíficos
Fazem despertar em nós
A Suprema Fé.
Sendo dotados de Coração Adamantino
Aqueles a quem alcança o Coração Verdadeiro,
O Mestre Shan-tao os proclamou semelhantes
Aos que fazem contrição nos três graus.
Nós que estamos no mundo mau das cinco impurezas,
Apenas através da Fé Adamantina
Abandonaremos de vez os nascimentos e mortes
E atingiremos a Terra Pura da Espontaneidade.
Aguardando o momento em que se firma
A Inquebrantável Fé Adamantina,
A Luz Cordial de Amida nos envolve e protege,
Afastando-nos de vez dos nascimentos e mortes.
Quanto aos que não alcançam a Fé Verdadeira e Real,
Diz o Mestre que lhes falta o Coração Uno.
Sabei que aqueles a quem falta o Coração Uno
Não terão a Tríplice Fé.
Aqueles que alcançarem a Fé Benfazeja
Estarão em sintonia com o Voto.
Por isso, segundo a Doutrina e as Palavras Búdicas,
Não serão afetados pelas más condições externas.
3. Questões de Vocabulário:
3.1.Sakyamuni e Amida são Pai e Mãe Compassivos = Uma nota do próprio Shinran esclarece que Sakyamuni é comparado a um pai e Amida a uma mãe.
3.2.Três graus de contrição (Jap. Sambon no Sange) = O Budismo reconhece três graus de contrição (Sanscr. Ksama, Jap. Sange): no grau superior, o penitente exala sangue pelos poros e pelos olhos, no médio exala suor quente pelo corpo e sangue pelos olhos e no inferior o corpo se aquece e os olhos vertem lágrimas.
3.3.Mestre Shan-tao = o Patriarca Shan-tao é designado no texto original pela expressão Shûshi (Mestre da Escola).
3.4.Luz Cordial de Amida (Jap. Mida no Shinkô) = A Luz do Coração Compassivo do Buda Amida, em contraste com a luz material (Shikikô).
3.5.Nascimentos e mortes (Jap. Shôji, Sanscr. Samsara) = o mundo de ilusão em que os seres viventes estão aprisionados por sua ignorância, egoísmo e apego às paixões mundanas.
3.6.Coração Uno (Jap. Isshin) = O Coração Uno do Outro Poder.
3.7.Tríplice Fé (Jap. Sanshin) = A Tríplice Fé do Voto Original: 1- Fé Sincera; 2 – Fé Serena; 3 – Fé no Ir-nascer na Terra Pura.
4. Comentário:
Aos ouvidos dos participantes do universo judaico-cristão, acostumadas a conceber o Divino como um ente masculino, a linguagem de Shinran, comparando o Buda Amida a uma mãe, pode soar como algo insólito. A História das Religiões nos mostra, entretanto, que na Pré-História da Humanidade predominou a percepção feminina do Sagrado, a Grande Mãe. O Sagrado no Feminino precede os Deuses masculinos das religiões patriarcais. A Deusa era ligada à Terra, ao passo que os Deuses eram associados ao Céu. No Budismo, o Buda Histórico Sakyamuni é evidentemente masculino. Entretanto, o Buda como personificação do Dharma é andrógino, isto é, transcende as distinções de gênero, embora seja na prática representado por uma forma masculina, calcada na do Buda Histórico. Shinran evoca essa transcendência ressaltando o aspecto feminino e materno da Compaixão de Amida, estabelecendo um contraste com a masculinidade do Buda Histórico Sakyamuni.