Zen e Terra Pura

Han-shan Te-ch’ing Ta-shih (1576-1623)
Zen e Terra Pura

 

Extraído da Coleção de Perambulações Oníricas (chin. Meng-yu-chi)

Depois que o Buddha Shakyamuni atingiu a iluminação, ele espalhou o Dharma e converteu os seres sencientes. Toda a assembléia quádrupla [de monges, monjas, leigos e leigas] obteve o benefício do Dharma. Ele ensinou as pessoas de acordo com suas capacidades, usando diferentes métodos expedientes para que todos pudessem obter felicidade e sabedoria. Quando há chuvas nas horas certas, todas as árvores e ervas recebem umidade e florescem; do mesmo modo, todos os seres sencientes tiram benefícios e crescem por si mesmos. Há diferentes métodos, mas todos brotam da mesma fonte. Já que os seres sencientes são todos dotados com a mesma natureza de Buddha, todos eles podem ser ensinados e transformados. Todos devem praticar de acordo com suas próprias capacidades. Mas os seres sencientes ficam confusos se não tiverem ninguém para guiá-los. Sem orientação, eles se afogam no oceano do sofrimento.

Quando Hui-neng [o sexto patriarca do Zen] foi ver o quinto patriarca, ele perguntou, “De onde você vem?” Hui-neng respondeu, “Venho de Ling-nan [sul da China].” O quinto patriarca perguntou, “Os bárbaros do sul também têm natureza de Buddha?” Hui-neng respondeu, “As pessoas distinguem entre norte e sul, mas a natureza de Buddha não tem norte ou sul.”

Já que estas palavras foram proferidas, assim como o trovão para despertar todos os que hibernam, elas se espalharam pelo mundo. Mas poucas pessoas entenderam-nas e pouquíssimas são iluminadas. Agora há mais de cem anos que o Zen veio do sul da China e foi espalhado na terra pelo sexto patriarca, mas muitas pessoas ainda não podem entendê-lo. Portanto, também são ensinados o samadhi da recitação de Buddha [chin. nien-fo, jap. nenbutsu], a concentração atenta e a visualização do Buddha Amitabha.

Para praticar a Terra Pura, devemos abominar a condição de sofrimento e procurar renascer na Terra Pura ocidental [sânsc. Sukhavati, a Terra Pura do Buddha Amitabha]. Devemos praticar a recitação de Buddha todos os dias, nos curvar ao Buddha Amitabha e recitar os sutras de arrependimento. Os praticantes devem ser firmes em sua fé, reduzir seu karma negativo dia após dia e fazer um voto de renascer na Terra Pura ocidental. Qualquer um que possa realmente praticar desta maneira, mesmo que esteja vivendo neste mundo Saha de nascimento e morte, terá uma meta significativa para a sua prática.

A palavra “Buddha” significa iluminado. Todos os seres sencientes têm a mesma natureza de Buddha. Todos podem ser iluminados. Alguém que esteja confuso sobre a natureza de Buddha é um “ser senciente”. Alguém que esteja iluminado sobre sua natureza de Buddha é chamado “Buddha”. Quando recitamos o nome de Buddha, o Buddha Amitabha é a nossa própria natureza, a Terra Pura é a Terra Pura de nossa própria mente. Qualquer um pode recitar atentamente o nome de Buddha, pensamento após pensamento, e, concentrando-se mais e mais profundamente, sempre encontrará o Buddha Amitabha aparecendo em sua própria mente. Não é necessário procurar a Terra Pura muito longe, cem mil terras além. Portanto, se a mente for pura, a terra é pura. Se a mente for maculada, a terra é maculada. Se um pensamento ruim vier à mente, então muitos obstáculos aparecerão. Se um bom pensamento surgir, a paz estará em todos os lugares. Assim, o céu e o inferno estão todos em nossa própria mente.

Todos os bons homens e mulheres pensam sobre o seu futuro e sobre o grande assunto da vida e da morte. O tempo passa rapidamente e, uma vez que o corpo humano seja perdido, ele não poderá ser recuperado nem mesmo em dez mil éons. É como o sol e a lua passando pelo céu tão rápidos quanto os dedos das tecelãs no tear. O tempo não pode esperar por você. Se perder a condição humana, não poderá obtê-la novamente. Quando o momento final vier, será muito tarde para arrependimentos. Não fará qualquer bem a você. Então, todos devem se esforçar para evitar estado infeliz.

Os sutras ensinam que as pessoas comuns, os sábios e os santos são todos iguais. Não há diferença. Apenas a mácula ou pureza da mente é que é diferente. Por esta razão, diz-se que “a mente, os Buddhas e os seres sencientes não são diferentes uns dos outros”. Uma mente pura é Buddha, uma mente maculada é um ser senciente. Os Buddhas e os seres sencientes diferem apenas no nascimento ou não-nascimento de pensamentos [puros ou maculados].

A mente é inerentemente clara e pura, mas é obstruída pela cobiça, ódio, estupidez, arrogância, pelos cinco desejos e por muitos tipos de delusões. Portanto, aqueles com essas mentes são chamados seres sencientes. Se as máculas forem descartadas e as mentes se tornarem puras, isso é o estado búddhico. Não é necessário depender dos outros. Porém, todos os seres sencientes carregam um karma pesado; já que o tempo é imemorial, tem sido difícil purificar suas máculas.

A fim de fazer isso, a maioria deles requer prática, como meditação, trabalhar sobre um watô ou recitação de Buddha. Por exemplo, um espelho, intrinsecamente brilhante, não pode refletir qualquer coisa se estiver coberto com poeira. Para limpá-lo, um remédio é requerido. Porém, o remédio em si também é poeira, apesar de poder livrar outras coisas da poeira. Uma vez que o espelho esteja brilhante, não há mais necessidade de remédio. Isto é como o ouro em seu minério, coberto com a sujeira e a poeira da areia e da pedra. Depois que for derretido e que o ouro puro aparecer, não há necessidade de fundi-lo novamente.

É difícil nos livrarmos da mente maculada característica dos seres sencientes. Porém, isto pode ser feito através da prática diligente. Quando isto for realizado, a mente brilhante e imaculada aparecerá. Portanto, diz-se que todos os seres sencientes são inerentemente Buddhas. Chamar aqueles que estão cheio de máculas de “Buddhas” não é errado.

Praticar o Zen e meditar sobre um watô são métodos importantes para atingir a iluminação. Infelizmente, hoje em dia pouquíssimas pessoas praticam diligentemente o bastante. É porque têm raízes superficiais e não podem se concentrar sobre a prática. Além disso, sem um bom professor para dirigi-los, eles são facilmente desencaminhados. Devemos, portanto, praticar tanto a recitação de Buddha quanto o o Zen. Este é um Dharma adequado e seguro. Alguém que possa praticar a recitação de Buddha e que possa observar de onde o seu Buddha vem e aonde o seu Buddha vai — com um período de tempo, ele virá a entender o que é o estado de Buddha. Isto abrirá a sua mente, permitindo que a sabedoria brilhante flua a partir do solo de sua própria mente. Isto não é diferente de meditar sobre um kôan ou watô. Mas a prática sincera e o trabalho duro são necessários.

Han-shan Te-ch’ing Ta-shih. Pure Land of the Patriarchs. Traduzido por Lok To. Sutra Translation New York: Committee of the United States and Canada, 1993. Pág. 9-13.