Jodo Shinshu: a doutrina do povo

Numa certa aldeia no Japão, haviam dois monges, um da escola da Terra Pura que há muito vivia ali e outro que havia aparecido há pouco e se instalado por lá. Aldeia pobre, restrita em recursos, arroz escasso, muitos impostos para pagar ao daimyo, não poderia sustentar dois monges.O prefeito então numa manhã fria e ensolarada reuniu a aldeia na praça e pediu que uma grande tina d’água fosse colocada sobre uma fogueira, ordenando que litros e litros de água fossem fervidos.

Chamou então os dois monges e proferiu o ultimato: “Nossa vila é pobre, não podemos sustentar dois monges, mas também não sabemos como decidir com qual dos dois devemos ficar.  Então teremos uma prova e aquele que passar ficará na nossa vila, o outro terá que partir.” Ambos os monges ainda meio atordoados pela movimentação, consentiram com os procedimentos.

O prefeito proferiu as regras: “Eis uma tina cheia d’água fervente. Vocês dois terão que entrar na tina, o que sair ileso ficará na aldeia”. Imediatamente, o monge que havia chegado a pouco se prontificou a entrar na tina. Fez várias orações, prostrações, mantras, mudras, tudo que sabia para invocar a cosmologia budista inteira. Tirou suas vestes e entrou na tina lá ficando por mais de cinco minutos imersos. De repente, ele emerge todo vermelho, com fumaça saindo pelos poros, tonto, mas vivo. A vila inteira aplaude estupefata a atitude do monge, alguns se prostram e outros louvam o Buda. Ao sair da tina, o monge novato faz uma reverência a todos, se veste e se retira.

Quando a aldeia se volta novamente para a tina, vêem o monge Terra Pura com as mangas do kimono arregaçada, testando a água da tina. Percebendo a curiosidade de todos, ele ordena: “Alguém poderia trazer quatro pequenas tinas de água do poço?”. O prefeito sem entender nada, ordena a dois adolescentes que se apressassem para seguir as ordens do monge.

Trazidas as tinas de água fresca, o monge pega cada uma, sobe em um banquinho de madeira e as despeja no recipiente.  Novamente, enfia os braços dentro da grande tina, mas não fica satisfeito. “Mais duas!”, ordenou com um berro ao prefeito.  Como em um passe de mágica, surge mais um jovem com duas tinas menores nos ombros, as quais foram despejadas pelo monge dentro da tina maior.  Testando a temperatura mais um vez, um sorriso brotou dos lábios do monge.

Ele então, pegou o banquinho no qual estava trepado e colocou dentro da tina, despiu-se de suas vestes, ficando com suas roupas de baixo e entrou na tina.  Sentou-se no banquinho com água pelo pescoço, reclinou-se e relaxou soltando um longo suspiro… alguns instantes se passaram e ele se incomodou com o silêncio que o cercava e abriu os olhos. Foi então que viu a vila inteira de boca aberta, sem entender o que se passava.  O monge mais que depressa repreendeu a todos: “Ora, ora, o que estão fazendo aí parados? Entrem, entrem, a água está ótima, não vamos disperdiçar! Entrem, não fiquem acanhados.”. E um a um os aldeões foram entrando na tina e se reclinando, sentindo a água morna em seus corpos cansados da labuta nos campos de arroz.

Algumas mulheres então lembraram que tinham alguns bolinhos de arroz que sobraram do jantar do dia anterior e os trouxeram para perto da tina em cima de uma mesa, o prefeito lembrou que tinha ainda um pouco de um bom saque que ganhara de um amigo. Alguns jovens correram e colheram algumas ameixas e pegaram alguns pedaços de tofu na casa de seus pais. Ao final de alguns minutos, havia uma festa na aldeia, todos se confraternizando e ouvindo as histórias contadas pelo monge sobre o budismo e sobre suas andanças. A aldeia toda participou de um momento único, integrada sob o louvor do Buda e se sentiram iguais, vendo que ali não haviam poderes mágicos, que a mágica da vida estava em compartilhar os momentos com todos, tristes ou felizes.

Advinhem qual monge ficou na aldeia?